Os candidatos a vereador e prefeito enfrentarão neste
ano a eleição mais rigorosa já realizada. Além de ser a primeira em que passa a
valer a Lei da Ficha Limpa, a disputa pode ocorrer sob a vigência da resolução
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tem o poder de barrar milhares de
candidatos com contas de campanha rejeitadas. Dezoito partidos, PT à frente,
apresentaram uma petição para que o tribunal reveja a decisão. Mas, enquanto um
novo julgamento não é marcado, a medida já provoca uma silenciosa guerra
pré-eleitoral entre adversários políticos e uma corrida aos escritórios de
advocacia.
Advogado eleitoral há 45 anos, Alberto Rollo conta que o
movimento está acima do normal e que só na tarde ao fim da qual conversava com a
reportagem do Valor já tinha atendido cinco possíveis clientes: três queriam
saber se seriam atingidos pela Lei da Ficha Limpa e dois apuravam a situação de
adversários políticos.
Rollo diz que, com o aumento da procura, passou a
cobrar uma consulta de "médico careiro" (R$ 500) - o que não fazia antes. "Eu
nem cobrava, mas agora o interessado, além de se defender, quer comer o fígado
do adversário. E eu ensino", conta. O clima de beligerância propiciado pela
legislação cada vez mais rigorosa "é uma bênção", do ponto de vista comercial,
afirma o advogado, embora Rollo discorde da judicialização e das restrições
impostas recentemente, as quais considera exageradas.
"Para um deles eu
disse: 'Salta da ponte porque não dá para fazer mais nada'. Mas houve caso em
que falei: 'Você vai se salvar'. Mas isso é sob a minha ótica, não significa que
eu tenha razão. Quem vai julgar é o Judiciário, e se eles estão dispostos a
cortar a cabeça de todo mundo, não tem doutor que dê jeito", afirma Rollo.
A estimativa é a de que pelo menos 21 mil candidatos que tiveram contas
rejeitadas nas últimas eleições estão sujeitos à guilhotina do TSE. Além de
criticada pelos partidos, a medida é alvo de um abaixo-assinado de advogados
eleitorais de São Paulo, que levaram sua insatisfação ao tribunal superior.
A grande polêmica diz respeito à mudança de interpretação feita pelo
TSE. Em 2009, a necessidade da simples apresentação das contas de campanha pelos
candidatos foi explicitada na legislação por meio da minirreforma eleitoral (Lei
nº 2.034). Neste ano, porém, o TSE arrochou a fiscalização e considerou que não
basta apenas apresentar. É preciso ter as contas aprovadas para que a situação
do candidato seja considerada regular. Diante da reclamação dos partidos, o
tribunal pode reconsiderar a resolução, tomada em março pelo apertado placar de
4 votos a 3. Mas o caminho é irreversível, na opinião do advogado Admar Gonzaga.
Para ele, o TSE não deve recuar. No máximo, pode conceder que a exigência passe
a valer na eleição de 2014, tomando como base a prestação de contas deste ano.
O advogado afirma que a eleição de 2012 será um divisor de águas, a mais
rigorosa já realizada. "Sem dúvida, eles estão apertando o cerco. A atenção
deverá ser triplicada porque não vai ter mais desculpa", diz.
A pressão
tem causado dor de cabeça em candidatos, partidos e advogados. As principais
queixas concentram-se na suposta inviabilidade de se preencher todos os
requisitos, como o pagamento em cheque (e emissão de recibo) das milhares de
pessoas que colaboram numa campanha, entre elas fiscais de seção e carregadores
de bandeiras. Geralmente, são pagos em dinheiro, sem qualquer comprovação, o que
pode facilitar o caixa 2, justamente o que a legislação procura coibir.
Rollo diz que as exigências não consideram a "vida real" de uma
campanha. "[Problema em] Conta de campanha é totalmente diferente de imoralidade
ou improbidade", defende.
O advogado conta que um de seus clientes, por
exemplo, que pretende concorrer à Prefeitura de Campinas, está às voltas com a
Justiça eleitoral porque não comprovou o pagamento em cheque de 3.800 fiscais
contratados na última eleição - algo que considera inviável, já que muitos não
tinham CPF e os bancos se recusariam a emitir tantos talonários. Em outro
exemplo, cita: "Numa cidade pequena, o candidato usa seu carro, da esposa ou do
filho. Agora, se ele declara a gasolina, mas não o carro, é pego por omissão de
despesa", diz.
O advogado Admar Gonzaga concorda que muitas
irregularidades são de "baixa potencialidade", mas é favorável a que as contas
devam ser aprovadas e não apenas apresentadas. "Como estava era um absurdo. O
candidato poderia apresentar à Justiça eleitoral uma receita de bolo, algo sem
pé nem cabeça. É como se não houvesse prestação de conta. Campanha tem realmente
o "pagamento das formiguinhas", dos distribuidores de santinhos, dos que fazem
boca de urna, o que é ilegal, mas se faz. Até pode se pagar em cheque mas o cara
some, não dá recibo. Por outro lado, muitos candidatos de fato pagam esse
pessoal com caixa dois, por fora", diz.
O secretário-geral do PSB,
Carlos Siqueira, também apoia o maior rigor nas regras de campanha. "Se a lei
diz que é para pagar em cheque, o candidato deve responder porque não seguiu. É
a lei que disciplinou. Precisa ser obedecida. Agora, se não foi corrupção, as
punições precisam ser mais brandas, tem que ter gradação", defende.
O
que o dirigente critica é o fato de que o TSE teria extrapolado suas funções ao
criar mais uma norma de inelegibilidade, que não está prevista na Constituição
Federal, de 1988, nem na Lei de Inelegibilidade, de 1990. "É ótimo que o TSE
seja mais rigoroso. Outra coisa é extrapolar. Ele não tem direito de legislar,
mas de regular", afirma Siqueira.
Campanha virou subversão, afirma
advogado
Se entre os políticos o rigor da legislação e da Justiça
eleitoral é considerado uma faca de dois gumes - ela pode ferir mas também ser
usada para atacar os adversários -, entre os advogados é que parece encontrar
seus maiores críticos. Admar Gonzaga afirma que normas recentes tornaram a
eleição uma atividade quase que subversiva, na qual a distribuição de santinhos
com a imagem dos candidatos pode beirar ao aliciamento a práticas ilícitas.
"Parece até que se está vendendo maconha. Democracia é uma festa. Tem
que deixar subir no caixote. Daqui a pouco tem camburão prendendo quem faz
campanha como se fosse bandido", compara Gonzaga.
O advogado questiona a
série de proibições levantadas nos últimos anos, como as que limitam a
manifestação dos eleitores no dia da votação e a exibição de cartazes de
propaganda a no máximo quatro metros quadrados.
Ministro do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) há seis anos, Arnaldo Versiani também é a favor de uma
legislação mais permissiva, ao menos em relação às regras para se fazer
campanha.
"Por que só temos campanha a partir de 5 de julho? Poderíamos
antecipar as convenções, até para equilibrar as forças. Quem concorre à
reeleição inaugura obras durante todo o primeiro semestre, ou seja, aparece para
o eleitor, enquanto o adversário não pode divulgar sua candidatura", diz
Versiani.
O advogado Alberto Rollo considera que a minirreforma
eleitoral fez restrições exageradas, como a divulgação por twitter. Mais
radical, ele diz concordar com boa parte da Lei da Ficha Limpa, embora seja
contra o princípio central da norma, de que haja uma pré-seleção dos candidatos
para os eleitores. "Agora não se pode votar no Paulo Maluf (PP-SP). Vai
acontecer como no Irã dos aiatolás, onde 1.500 entre 5 mil candidatos foram
indeferidos nas últimas eleições. Diz-se que o povo decidiu pela Ficha Limpa, ao
dar mais de 1,2 milhão de assinaturas de apoio ao projeto. Mas milhões também
votaram no Jarbas Barbalho e no outro senador lá na Paraíba", defende Rollo, ao
se referir ao senador do Pará pelo PMDB, que recebeu 1.799.762 votos, e o tucano
Cássio Cunha Lima, que teve 1.004.183 votos.
Os dois foram inicialmente
barrados, mas tomaram posse depois que o STF decidiu que a Lei da Ficha Limpa só
vale a partir das eleições deste ano.
Judicialização cria novo turno de
embate eleitoral
"Hoje a eleição se inicia com um olho na sua campanha e
outro na do adversário". É assim que o ministro do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), Arnaldo Versiani, resume o clima de competição que começa a se instaurar
em anos eleitorais. Por causa da crescente judicialização, não há mais apenas o
"terceiro turno", ou seja, quando os perdedores vão à Justiça questionar os
resultados para impugnar a vitória do adversário.
A nova etapa de
disputa agora precede a campanha, com a tentativa de barrar a candidatura dos
concorrentes no nascedouro. O processo é acentuado pela entrada em vigor da Lei
da Ficha Limpa e da resolução do TSE que põe uma lupa sobre a prestação de
contas.
Versiani nega que a judicialização esteja sendo estimulada pelas
resoluções editadas pelo tribunal superior. "Não é propriamente o TSE. É a
Justiça eleitoral como um todo", diz. O ministro destaca a importância que
instituições como o Ministério Público Eleitoral e a Polícia Federal passaram a
ter no controle da legalidade, além do ativismo dos próprios partidos e
candidatos, que não se preocupam só em vencer, mas também em fiscalizar os
adversários.
E as possibilidades de se cair na malha fina da Justiça
eleitoral são muitas. Versiani lembra que o risco não está apenas na prestação
de contas. Está também na falta de pagamento de multas, o que impede a quitação
e a obtenção do registro de candidatura. Até pelas razões mais prosaicas. "É
impressionante o volume de casos em que o pretendente está em débito com a
Justiça eleitoral porque não votou, deixou de pagar a multa e só descobre
depois, quando não há mais tempo", conta.
O advogado Admar Gonzaga
também ressalta um caso curioso. É de um deputado federal favorito à prefeitura
de capital, que teria minimizado um processo e o deixado transitar em julgado em
vez de recorrer. O político teria preferido perder na Justiça a fomentar uma
repercussão negativa maior na imprensa. Agora, está barrado pela Lei da Ficha
Limpa.
(CK)
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