segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

País tem 11 milhões de pessoas em favelas




Censo de 2010 localizou 6.329 áreas irregulares e precárias em 323 cidades; juntas, elas equivalem à população da Grécia

Dez anos atrás, IBGE havia contado cerca de 6,5 milhões de pessoas morando em favelas no país

ANTONIO GOIS
DENISE MENCHEN
DO RIO

Dados do Censo 2010 revelam que 11,4 milhões de brasileiros, o equivalente à população da Grécia, vivem em áreas ocupadas irregularmente e com carência de serviços públicos ou urbanização, como favelas, palafitas, grotas e vilas. São 6% dos habitantes do país.

É o retrato mais preciso já feito dessas áreas, e mostra que o problema é concentrado nas regiões metropolitanas, mas espalhado por todos os Estados. Dez favelas têm população maior que 40 mil pessoas, superior a 86% dos municípios brasileiros.

Em 2000, o IBGE identificou 6,5 milhões de pessoas, ou 4% do total, em "aglomerados subnormais", denominação usada pelo instituto.

METODOLOGIA
Não é possível saber quanto do aumento na década se deve à expansão das áreas irregulares e quanto se deve ao aprimoramento da metodologia de pesquisa, como o uso de imagens de satélite.

Em 2010, foram localizadas 6.329 favelas em 323 municípios. Ficam de fora do levantamento áreas precárias, mas regularizadas, ou irregulares, mas sem precariedade.

QUADRO GRAVE
A pesquisa revelou também que o quadro mais grave de moradia está na região metropolitana de Belém (PA), onde 54% da população vive em favelas e similares.

No caso de serviços básicos, o que mais diferencia as favelas das áreas de ocupação regular das cidades é a proporção de casas com coleta adequada de esgoto.

"O fato de existir um alto percentual de pessoas vivendo nessas áreas decorre do Estado brasileiro ter se omitido por décadas em relação a políticas habitacionais, concomitante a um dos processos de urbanização mais intensos da história da humanidade", diz Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE.

Para a relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, novos assentamentos precários irão surgir no país nos próximos anos. Ela aponta como motivos a elevação dos preços dos terrenos e as remoções mal conduzidas para a realização de obras, como as da Copa de 2014.

"A máquina de produção de favelas está em operação", diz a urbanista.

Percentual com renda mais baixa é maior no campo

DO RIO

Apesar de as condições de vida em favelas e similares serem piores do que nas demais áreas urbanas em seu entorno, elas ainda são melhores do que as registradas no campo.

Em 18% dos domicílios nas favelas, a renda per capita era inferior a R$ 128 (um quarto do salário mínimo em 2010). É uma taxa menor do que a de domicílios rurais (28%), que são mais pobres.

O mesmo se verifica em relação ao analfabetismo e ao saneamento.

Entre favelas, no entanto, e mesmo quando se compara apenas favelas de grande porte, os indicadores variam muito.

Em São Paulo, Paraisópolis e Heliópolis, por exemplo, têm os melhores indicadores entre as maiores favelas.

Sol Nascente, em Brasília, e Cidade de Deus, em Manaus, têm os indicadores mais precários de saneamento e luz.

Analisando favelas do Rio e de São Paulo, é possível verificar que as piores condições não estão nas grandes comunidades.

Em 136 das 786 favelas do Rio mais da metade dos domicílios têm saneamento inadequado. Somente em três dessas a população supera 2.000 pessoas.
Mais da metade da Grande Belém vive em casas precárias

Palafitas e falta de saneamento básico fazem parte do cotidiano de 54% dos moradores da área metropolitana 
Região tem a maior proporção em todo o país de pessoas que vivem em moradias em condições irregulares



AGUIRRE TALENTO
DE BELÉM E MARITUBA (PA)
Os alicerces das casas são de madeira e foram erguidos sobre fétidos córregos que acumulam lixo e dejetos. Quando chove, a água suja invade as casas, que correm risco de desabar.

Nas chamadas palafitas, as habitações da periferia de Belém, o saneamento básico não chegou e a energia elétrica, em alguns casos, é obtida clandestinamente.

A região metropolitana de Belém é a que tem a maior proporção de pessoas vivendo em moradias em condições irregulares (54%). Em números, 1,1 milhão dos 2,1 milhões de habitantes moram em locais precários.

"Se você me perguntar se eu queria ir para um lugar com condições melhores, claro que queria. Mas não temos condições financeiras", diz o vigilante desempregado Carlos Alberto dos Santos, 39.

Ele mora com a mulher no bairro chamado Terra Firme. Sua casa, no entanto, está alicerçada sobre bases nada firmes: estacas de madeira fincadas num córrego sujo.

"Não tem saneamento. A descarga do vaso sanitário cai direto no córrego", afirma.

Até mesmo percorrer o caminho entre duas casas é perigoso. O trajeto é feito por passarelas de madeira esburacadas. Cada vez que alguém passa, as tábuas começam a balançar.

Os moradores dessas periferias reclamam ainda da demora na coleta de lixo, que passa dias acumulado nos córregos, e da constante falta de água.

Por meio de nota, a Prefeitura de Belém diz que vai implantar, no início do mês, o Plano Municipal de Habitação e Interesse Social, que visa criar "diretrizes e estratégias" para reduzir o deficit habitacional. Diz também que está construindo mais de 1.400 moradias regulares.

PRECARIEDADE
A situação é ainda mais crítica no município de Marituba, na região metropolitana. Lá, a proporção de pessoas vivendo em domicílios irregulares chega a 77%.

Em números absolutos, isso corresponde a 83.353 dos 108.251 habitantes contabilizados pelo Censo do IBGE.

Na casa de Antônio Batista de Lira, 54, o banheiro foi instalado no quintal e coberto por uma lona.

Lá, ele e a mulher Maria de Nazaré dos Santos, 65, veem a fossa cavada no chão transbordar sempre que chove forte. Mas a falta de água encanada é o que mais incomoda.

Um carro-pipa abastece semanalmente a casa deles.

São Paulo tem 302 de 1.020 comunidades com menos de 50% de saneamento adequado. Dessas, só 37 têm população superior a 2.000 pessoas.
Metodologia
Pesquisa foi mais precisa no censo 2010

Pela primeira vez, foram usadas imagens de satélite de alta resolução. O trabalho do IBGE ainda foi facilitado porque prefeituras melhoraram o mapeamento de suas áreas. Foram feitas pesquisas prévias para melhor identificar locais que se encaixavam na definição de aglomerado subnormal.
No Rio, indicação de morador incha Rio das Pedras
DO RIO
O pedreiro paraibano Paulo Cezar Buriti, 46, chegou há um mês em Rio das Pedras, zona oeste do Rio, após convite do conterrâneo Luciano Silva, 29, há 12 anos na favela. Este, por sua vez, foi chamado pelo amigo José Almir dos Santos, 29, há 15 na mesma comunidade.

Foi através de "indicações" de amigos e familiares que a favela se tornou a terceira maior do país, com 55 mil habitantes, de acordo com o IBGE.

Sem infraestrutura para atender tanta gente, criou-se um ambiente precário para seus moradores.

Dos postes proliferam fios de ligações clandestinas de energia elétrica. Um valão recebe esgoto in natura diariamente e transborda a cada chuva. Há lixo acumulado nas esquinas.

O secretário de Habitação, Jorge Bittar, diz que a prefeitura tem investido nas favelas. "Hoje temos unidades habitacionais e investimento pesado em transporte público. Todos os fatores que justificam a favelização estão sendo atacados", diz.
Paraisópolis, na zona sul, é a maior favela paulistana
DO “AGORA”
Com 43 mil habitantes, Paraisópolis entrou na lista do IBGE como a maior favela da cidade de São Paulo. É a oitava maior favela do país.

Em seguida, com apenas 1.708 moradores a menos, aparece outra favela da zona sul: Heliópolis, que, até agora, era considerada pela prefeitura a maior da capital.

Segundo o IBGE, os números não são iguais porque a prefeitura pode utilizar uma metodologia diferente.

Um em cada dez moradores de São Paulo vive em uma das cerca de mil favelas da cidade. Dos 11,2 milhões de habitantes, 1,2 milhão moram em casas ou barracos construídos em áreas ocupadas irregularmente, geralmente em morros, que não contam com infraestrutura básica. Ao todo, são 355 mil moradias.

PROXIMIDADE
A nova maior favela de São Paulo atrai os moradores há pelo menos 50 anos pela proximidade com o bairro nobre Morumbi, de acordo com a Maria Augusta Justi Pisani, professora de arquitetura e urbanismo no Mackenzie.

"A pessoa que precisa de dinheiro sabe que só vai ter se estiver perto de onde ele está", afirma a especialista.

Denise Maria da Silva, 26, se mudou há um ano de Heliópolis para Paraisópolis a fim de viver com o marido e ajudá-lo no bar. "Trabalhar com comércio aqui é tão bom quanto em Heliópolis", diz ela, que alugou seu apartamento na antiga favela para ajudar na renda familiar.

Seu marido, o também comerciante Maurino Santos Souza, 44, trabalhou como motorista por 15 anos em condomínios do Morumbi.

Souza saiu ainda pequeno de Itaipé, em Minas, para viver em Paraisópolis com os pais e os seis irmãos. Todos trabalharam no Morumbi. O pai, que já morreu, pintou casas de alto padrão. A mãe, aposentada, foi faxineira de casas e apartamentos de luxo.
Frases
"Quem precisa de dinheiro sabe que só vai ter se estiver perto de onde ele está" 
MARIA AUGUSTA JUSTI PISANI
professora de arquitetura e urbanismo no Mackenzie, sobre a proximidade de Paraisópolis com o Morumbi

"Trabalhar aqui é tão bom quanto em Heliópolis"
DENISE MARIA DA SILVA
comerciante e moradora de Paraisópolis

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