segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Denúncias de corrupção levam Dilma a acelerar lei de lavagem de dinheiro

A presidente Dilma Rousseff decidiu acelerar a tramitação da nova lei de lavagem de dinheiro com o objetivo de dar uma resposta legislativa à onda de denúncias de corrupção que desde junho a levou a demitir cinco ministros de Estado e agora ameça derrubar mais um, Orlando Silva, dos Esportes. 

O texto foi finalizado na semana passada. Participaram da redação final a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, integrantes da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla) e a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção. A expectativa é de que seja apreciado pelo plenário da Câmara dos Deputados amanhã.

Em suma, o documento amplia o rol de empresas que deverão informar aos órgãos de fiscalização e reguladores um cadastro e informações periódicas sobre seus clientes, bem como qualquer movimentação financeira suspeita ou superior a R$ 100 mil em espécie.

Um dos principais alvos do projeto são as consultorias, prestadas por pessoas físicas e jurídicas, em diversas áreas, como compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; financeiras, societárias ou imobiliárias.

Se já estivesse em vigor, por exemplo, a empresa de consultoria do ex-ministro da Casa Civil de Dilma Antonio Palocci, derrubado do cargo após atividades empresariais suspeitas, entraria neste rol. Ele seria obrigado a manter e atualizar seu cadastro de clientes junto aos órgãos de controle, algo que, durante a crise política que o derrubou negou-se a apresentar.

Mas o que mais chama a atenção na lista são as empresas que atuam com a "alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais", o que envolve diretamente os principais eventos que estão por vir no país: a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Não à toa, na semana passada uma fonte ligada ao Palácio do Planalto disse: "Essa é para o [presidente da Confederação Brasileira de Futebol] Ricardo Teixeira".

O dirigente da CBF é desafeto de Dilma. Neste mês, a Polícia Federal reabriu um inquérito para investigar eventual evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Em nota, ele declarou que são denúncias antigas e já esclarecidas. Um processo contra ele sobre o mesmo tema também tramitou na Justiça Federal do Rio, mas foi arquivado por falta de provas. Sua filha, Joana Havelange, é presidente do comitê organizador local (COL), órgão responsável pela organização da Copa de 2014, também teria, por este artigo, de se submeter ao controle do governo. Estima-se que o orçamento do COL é de R$ 200 milhões.

Em outras áreas, estarão submetidas a esse controle do fluxo financeiro as juntas comerciais e os registros públicos; pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; empresas de transporte e guarda de valores; pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou intermedeiem a sua comercialização; e todas as filiais estrangeiras dessas empresas e das que já estavam sujeita a controle pela atual lei de lavagem de direito, aprovada em 1998.

Todas elas terão de comunicar ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), quando houver suspeição, as transações suas e dos clientes. Quem não fizer isso poderá ter que pagar uma multa que pode chegar a R$ 20 milhões. Na lei atual ela não passa de R$ 20 mil. Também foram incluídos outros critérios para o valor dessa multa, como o dobro do valor da operação ou o dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido realização da operação.

Dilma espera capitalizar politicamente a proposta, que tramita no Congresso desde 2003. O autor, com um texto diverso do atual, foi o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-CE). O formato final, porém, foi se dando à medida em que a Enccla entrou nas negociações. O órgão reúne-se desde 2003 para discutir e definir as medidas a serem adotadas para o combate à lavagem de dinheiro. No primeiro encontro, havia 28 instituições de diversas áreas, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Hoje são mais de 60 instituições que se reúnem todo ano e definem uma agenda para o ano seguinte.

Desde o início de sua atuação, a aprovação no Congresso da modernização da lei de lavagem de dinheiro é considerada uma das principais prioridades dos órgãos. Mas sempre faltou vontade e iniciativa para levá-la adiante. O projeto foi apresentado no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nunca colocou as amplas maiorias congressuais que obteve no primeiro e, principalmente, no segundo mandato, para encampá-lo.

Isso a despeito de os relatórios do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), o órgão informal que a cada dois anos avalia como os países têm ou não avançados nas legislações de combate ao crime organizado. Sem empenho do governo, o projeto tramitou no Congresso a lentos passos e foi alvo de diversas manobras regimentais por parte de deputados e senadores. No Senado, ele tramitou entre 2003 e 2008. Chegou à Câmara dos Deputados e foi aprovado nas comissões em 2010.

Naquele mesmo ano, dois eventos reforçaram a necessidade de sua apreciação no Legislativo. Em visita ao Brasil, o Gafi constatou mais uma vez a necessidade de que fosse aprovado. Além disso, a reunião da Enccla trocou as grandes listas com metas para o ano seguinte a cada órgão que o integra pela divulgação de uma única prioridade: a aprovação do projeto.

Em decorrência disso, a iminência de sua aprovação na Câmara é muito mais resultado de um movimento organizado de fora do meio político para dentro. Coube a Dilma captar isso, avaliar o momento político e apoiá-lo.

Caio Junqueira - De Brasília

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